"Édipo Rei" e a Poética de Aristóteles

Por Ariane Lopes, Maria Elisabete Camargo e Ana Paula Cecere.
 

INTRODUÇÃO À POÉTICA DE ARISTÓTELES

Fonte: Shutterstock

       O texto aristotélico é considerado a base da teoria da literatura do Ocidente e a poesia é tratada como gênero e representa a ideia de reprodução imitativa. Dessa forma, a poética é uma sistematização sobre o discurso literário, na qual são discutidas a natureza da poesia e suas espécies, critérios distintos de imitação narrativa, gêneros e verossimilhança.
       Pouco conhecida na Idade Média, a obra aristotélica foi divulgada na Europa no século XVI passando a exercer influência nas artes dos séculos vindouros. A mimese, o mito e a catarse formam a base da arte poética, além do texto, restrito aos limites da tragédia e da epopeia, sendo que a comédia é citada apenas como uma promessa de estudo.
       As produções aristotélicas são classificadas em: epopeia, tragédia, comédia, ditirambo, aulética e citarística. Todas são imitações ou construções miméticas, sendo que as diferenças ocorrem segundo os meios, objetos ou modos diversos. Segundo Aristóteles, ao olhar para diferentes imagens o homem é capaz de aprender e discorrer sobre cada uma delas, contemplando-as com prazer ou repugnância. A segunda causa para o nascimento da poesia é a aptidão inata do homem para a melodia e o ritmo, o qual inclui metros ou versos.
       Para Aristóteles, Homero é considerado o poeta supremo, tanto da tragédia quanto da comédia, e as duas nasceram de improvisações. Dessa forma, a comédia representa a imitação da ação de homens inferiores e a comicidade é estabelecida em um efeito e uma feiúra sem dor nem destruição. Esses elementos da comédia confirmam-na como gênero que se define por oposição às características da tragédia, uma vez que esta imita a ação de homens superiores, envolvendo a dor e a violência.
       A epopeia se diferencia da tragédia uma vez que, a primeira se vale unicamente do verso como meio, enquanto a segunda usa o verso e o canto; a tragédia é um poema curto, já a epopeia tem duração ilimitada e é um poema longo.
       A tragédia é arte mimética e apresenta uma forma específica de mimese, sendo uma representação de ações de homens de caráter elevado expressada por uma linguagem alinhada através do diálogo e do espetáculo cênico, visando à purificação das emoções (efeito catártico) à medida que provoca o temor e a piedade no espectador. Há seis partes na representação cênica da tragédia. As externas: espetáculo, melopeia (canto coral) e elocução (falas, expressão); e as internas: caráter (qualidade moral), pensamento (elemento lógico) e mito (imitação e composição de ações). Para Aristóteles, a ação é o elemento central da tragédia e a representação dos caracteres está sujeita à lei do verossímil e valoriza o emprego de metáforas.


INTRODUÇÃO À POÉTICA DE ÉDIPO REI
 
Édipo Rei (ilustração). Foto: Hoika Mikhail / Shutterstock

       Édipo Rei é um poema trágico e é considerado a maior tragédia do teatro grego, segundo Aristóteles, principalmente pelos aspectos estruturais e o enredo da obra. Santana e Hobbus pontuam sobre esses aspectos, evidenciando na filosofia Aristotélica os valores do belo, extensão do enredo e seu caráter verossímil: 

Para que o enredo seja belo, assim como é bela qualquer criatura ou qualquer coisa que resulte da composição de partes, é necessário que ele tenha uma determinada ordem, pois, segundo o estagirita, o belo se encontra na extensão e na ordenação, ou seja, sua extensão não pode ser fruto do acaso, mas sim seguir ser submetidas à ordem, pois assim como um ser vivente não é belo caso seja pequeno demais, pois a duração que o veríamos seria imperceptível, também não o seria caso fosse grande demais, já que ele não seria captado por uma única visão, escapando à percepção dos espectadores a unidade e a totalidade (1451a), logo, assim como os corpos e seres viventes devem seguir uma determinada extensão que possa ser captada num único espectro da visão, o enredo também deve possuir uma extensão que esteja de acordo com o que podemos captar com a memória. Aristóteles afirma que o limite da extensão não diz respeito à arte poética, porém pode-se dizer que o mais belo seria aquele que tem uma sequência de acontecimentos que se mantêm unidos segundo a verossimilhança ou quando há uma necessidade satisfatória para tal (1451a15). (HOBBUS; SANTANA. 2018. pg.6)

       Todos esses aspectos compõem a obra de Sófocles, inseridas ao longo de toda a tragédia. Ainda além dos aspectos supracitados figura em especial a reviravolta, como uma das partes mais significativas por sua capacidade de provocar compaixão e pavor nos ouvintes, evidenciando que uma boa tragédia pode causar katharsis apenas ao ouví-la, sem necessidade de encenação. A peça tem início quando Édipo já está há dez anos como rei de Tebas sucedendo Laio, que havia sido morto supostamente por um grupo de ladrões à beira da estrada. Édipo ocupa o trono pois desposou Jocasta, viúva de Laio. Do trono de Tebas, Édipo vê sua cidade assolada pela miséria, quando ele recorre ao oráculo dos Delfos sob os conselhos do irmão de Jocasta, Creonte. O oráculo então revela que é necessário punir o assassino de Laio. Tanto Édipo quanto Creonte procuram descobrir quem foi de fato o causador da praga, enquanto gradativamente se revela a verdadeira identidade de Édipo. Em dado momento Édipo enfim descobre que seu verdadeiro pai é Laio, homem que Édipo matou sem que soubesse quem era, enquanto tentava fugir de seu destino descrito pelo oráculo, que o dizia que mataria seu pai e desposaria sua mãe. Assim se deu, o enredo revela que Édipo matou seu pai, chegando a Tebas, onde desposou sua mãe, Jocasta, com quem tem dois filhos. O caso de parricídio se revela e em seguida Jocasta se suicida e Édipo fura os próprios olhos na tentativa de não ver tamanha desgraça que lhe acomete. O mais honrado dos homens, acabava de cair da máxima prosperidade para a desgraça completa, cumprindo o que foi dito três vezes por oráculos ou forças enigmáticas.

Estátua de Sófocles em Atenas, Grécia


ÉDIPO REI E SUA RELAÇÃO COM A POÉTICA DE ARISTÓTELES

A Mimese
 
       Para Aristóteles a mimese antes de tudo é uma forma de aprendizagem reproduzida desde a infância por meio de observação de coisas semelhantes a outras. Para composição da tragédia a mimese é centrada na ação das personagens, o que chamamos de ação mimética. Assim a mimese não se dá através da simples imitação do homem ou de suas características mas pela mimese de suas ações dramatizadas de tal forma que seja capaz de despertar pavor e compaixão.
       As ações das personagens e coro são dirigidas de acordo com os princípios de mimese e verossimilhança, tornando-as próximas do que poderia de fato ter ocorrido, sendo a construção do enredo uma das partes mais importantes da composição trágica.
       A ação central em Édipo Rei é a busca pelo assassino de Laio, razão do infortúnio da cidade de Tebas. Logo todas as ações, seja das personagens ou do coro, se debruçam sobre o mistério do assassinato. O enredo se desenvolve até que seja revelado ser Édipo o filho exilado de Laio que ao tentar fugir de seu destino acaba o cumprindo, matando seu pai e desposando sua mãe, assim como descrito pelo oráculo. Suas ações são então capazes de despertar pavor pela imoralidade de seus atos, ainda que provoque compaixão pelo fato de Édipo ter o feito ainda que tivesse tentado evitar que ocorresse. O momento em que é revelada a verdadeira identidade de Édipo é chamado de enlace e inicia o desenlace da tragédia.
 
Peripécia e reconhecimento em Édipo Rei


       O enlace da tragédia é marcado pela peripécia e o reconhecimento. A peripécia de acordo com Aristóteles é a mudança dos acontecimentos para seu oposto (ARISTÓTELES, 2008, p. 21). Em Édipo é o momento da chegada do mensageiro de Corinto seguido do pastor tebano. As personagens revelam respectivamente que Édipo não é filho legítimo de Políbio, mas sim filho de Laio, que o manda para o monte Citerão quando bebê para ser sacrificado. Édipo não apenas sobrevive como é adotado por Políbio. Neste momento Édipo percebe que saiu de Corinto para que não matasse seu pai, mas acaba por o fazer em uma encruzilhada em que encontra a comitiva de Laio e o mata. Essa cena dá início ao que Aristóteles chama de Reconhecimento ou Anagnorisis, que é o início de uma nova direção no enredo podendo ser ela em direção a prosperidade ou adversidade tendo implicações diferentes de acordo com o conteúdo do enredo até o momento do enlace da tragédia. No caso de Édipo Rei o enredo é conduzido em direção a adversidade, sucedendo então o suicídio de sua mãe/esposa Jocasta, seguida de sua cegueira auto-inflingida, exílio e, posteriormente, morte.


Um adendo sobre a ação mimética no que diz respeito à verossimilhança

       Verossimilhança é a descrição de uma ação de tal forma que pudesse ter acontecido ainda que não corresponda aos fatos como se deram, levantando possibilidades que possam ser reconhecidas nas ações dos homens. Essa é uma característica bem importante para o reconhecimento da ação mimética. 

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Referências

ARISTÓTELES. Poética. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.
HOBBUS, J. F. N.: SANTANA, N. G. Édipo Rei: Análise A Partir da Poética de Aristóteles. Revista Seminário de História da Arte. v. 01, nº 07, 2018.
SÓFOCLES. Édipo Rei. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 2 mar. 2021.

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