Por Ariane Lopes, Romy Costa, Maria Elisabete Camargo e Ana Paula Cecere
Introdução à Arte Rupestre
Com o objetivo de facilitar o entendimento das questões relacionadas à Arte Rupestre que iremos abordar no desenvolvimento desse texto (panorama das artes encontradas no Brasil, conservação, restauro etc.), decidimos iniciar pelo trivial: afinal, o que é Arte Rupestre?
O nome arte rupestre deriva-se do termo em latim ars rupes, “arte sobre rocha”. O que já nos antecipa o período em que, boa parte dessa produção artística, foi realizada: o Paleolítico (mais precisamente no Paleolítico Superior, entre 40.000 e 11.000 AP), também conhecido como a idade da pedra lascada. Neste período vivia uma população de caçadores e coletores, humanos essencialmente nômades, que viviam basicamente da coleta de grãos, frutas, raízes e da caça.
Tendo em vista esse breve panorama da estruturação social da época, adentramos então na arte desse período. Um dos primeiros conjuntos pictóricos encontrados de arte rupestre foi a Caverna de Lascaux (15.000 a17.000 AP), localizada em Montignac, na França. Lá foi encontrado um enorme acervo de gravuras e desenhos, com representações figurativas e não-figurativas, de temas que na maioria das vezes variavam entre a representação de figuras zoomórficas e de símbolos geométricos.
Desenho de animais na Caverna de Lascoux – Domínio Público. Foto: Prof. Saxx. |
Além disso, também é possível identificar traços estilísticos comuns a essas produções, como por exemplo a ideia de sobreposição desordenada de imagens, a presença de um certo “sombreamento”, ou também um princípio de “perspectiva” presente nas relações de tamanho entre as imagens.
Todavia, nem só de Caverna de Lascaux vive a arte rupestre. Outras produções de diferentes localidades também tiveram uma enorme relevância, deixando “vestígios artísticos” que nos ajudam a entender a complexidade dessa época. Alguns dos principais arquivos de Arte Rupestre se encontram aqui, perto da gente, no Brasil.
Parque Nacional da Serra da Capivara, PI. Foto: Gisele Federicce. |
Arte Rupestre no Brasil
No Brasil, a Arte Rupestre está presente de norte a sul, permeando todo o território nacional. Desde o século XVI, muitos cronistas e viajantes descreviam em seus registros a existência de inscrições em rochas que eram conferidas a diversos povos, como fenícios e gregos, ou até mesmo atribuídas a figuras católicos como as pegadas de São Tomé . Essa negação da origem da Arte Rupestre em nosso país permeou até a década de 1930, contestando a autoria dos povos nativos do Brasil, autóctones brasileiros, julgados como incapazes de produzir tal riqueza estética.
Gravura Rupestre - Lapa da Bonina, MG, evidenciando a técnica de picoteamento. Fonte: Murilo Costa. |
Gravura Rupestre - Morro do Avencal, Urubici - SC, evidenciando a técnica das formas incisivas. Foto:Marcelo Müller |
A maior concentração da Arte Rupestre no Brasil encontra- se nas regiões Central e Nordeste por se tratar de locais com formação geológica propícia, com grande quantidade de grutas e abrigos que possibilitaram a confecção e conservação das pinturas. Já na região Sul, é comum a predominância de figuras gravadas em formações rochosas e matacões.
Escarpa Devoniana, Piraí do Sul, PR. Fonte: Cláudia Parellada. |
Malacara I. Praia Grande, SC. Fonte: IPAT/UNESC. |
Existem estilos predominantes na Arte Rupestre no Brasil, divididos em Tradição Agreste, Tradição Nordeste e Tradição Itacotiara ou Tradição Geométrica Central. A seguir, vamos descrever brevemente as características de cada uma.
Tradição Nordeste
É notável pelas quantidade de representações humanas: cenas de sexo, caça e rituais em torno de árvores, cenas semelhantes com rituais de povos indígenas. É facilmente identificável pela variedade dos temas, riqueza de enfeites e atributos que acompanham as figuras humanas.
Essa tradição está presente desde o sul do Piauí até Mato Grosso, Goiás e parte de Minas Gerais.
Tradição Agreste
É caracterizada por figuras antropomorfas e zoomorfas, ainda que pouco elaboradas. Formadas por grafismos, essas figuras são de grandes dimensões, podendo atingir até mais de um metro, as quais raramente formam uma cena.
Tradição Geométrica Central
Apresenta subdivisões: Meridional (inclui os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul) e caracteriza-se por gravuras e pinturas representando triângulos, mãos, pés, figuras humanas e de répteis, localizadas fora dos locais de enchentes. Setentrional: sítios em afloramentos rochosos no entorno de rios e cachoeiras, submersos pelas enchentes.
Os Desafios de Sua Conservação
Um dos maiores desafios quando se pensa em arte rupestre é o de sua conservação. Sendo considerada patrimônio cultural pela Unesco desde 1972, com obras de valor inestimável para a humanidade, vem sendo um desafio nacional e internacional de conservação dessas áreas. Por seu caráter mais frágil, as obras que mais sofrem com a degradação são as da região central, norte e nordeste do país, seja em função da ação da natureza ou intervenção do homem moderno.
É importante entender antes de tudo que os desafios de conservação se dão desde coisas aparentemente mais simples como o desgaste natural da pedra ou do material da inscrição passando por ação de pragas, até queimadas e pichação.
Todo o ecossistema que envolve os sítios deve ser levado em conta para sua manutenção, seja para controle de pragas até redução de possibilidade de queimadas.
Os órgãos responsáveis muitas vezes movem esforços para manutenção e conservação desses sítios, como é o caso dos sítios arqueológicos da Serra da Capivara que contaram com investimento de R$ 80 mil reais do IPHAN em 2012 para sua manutenção, contemplando desde cercas de proteção, até placas de identificação.
O Parque Nacional da Serra da Capivara, localizada no estado do Piauí, possui a maior concentração de sítios arqueológicos no país e vem sofrendo desde sua primeira restauração em 86, com queimadas muitos comuns na região por sua vegetação local, sua proximidade com roças e avanço da atividade agropecuária. Ainda há locais como a Pedra do Castelo que sofreram intervenções por meio de pichação, visto que o local se encontra em propriedade particular e era aberto para visitação sem que houvesse o monitoramento adequado.
Limpeza de pichação feita com carvão. Pedra do Castelo. Fonte: NAP-UFPI. |
Ainda esse ano, como informa o jornal EL PAÍS, a rede de televisão Record foi condenada a pagar 2 milhões de reais por cobrir uma obra, no município de Diamantina em Minas Gerais, com tinta branca para gravação de uma de suas telenovelas.
Cobertura de tinta sobre inscrição rupestre em Diamantina. Fonte: EL PAÍS. |
Os esforços não são poucos para manter viva a história dos povos que aqui habitavam de norte a sul no país desde o Paleolítico; ainda assim, seja por desinformação ou descaso, essas obras vêm sendo apagadas de nossa história. A questão que paira sobre nossas cabeças ao pensar sua grandeza, é se mesmo as penalidades aplicadas nesses casos cobrem o prejuízo para o patrimônio cultural e histórico de um povo.
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¹ José de Azevêdo Dantas, sertanejo do agreste paraibano, autodidata que percorreu diversa disciplinas do conhecimento em suas obras. Desenvolveu estudos de geografia, história local, genealogia e meteorologia. Também era músico, projetista, desenhista e escrevia jornais manuscritos.
² Texto no qual introduz as cópias dos grafismos rupestres, onde comenta os pontos visitados e estabelece suas conclusões acerca da origem e significado das inscrições.
Referências
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CEZARO, Hérom Silva de et al. A ocorrência de Arte Pré-histórica Malacara I: considerações técnicas e tipológicas. Clio Arqueológico, 2019, v.3p.11-37.
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MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. José de Azevêdo Dantas: lembrando os 70 anos do início das pesquisas do primeiro arqueólogo do Seridó Potiguar em Carnaúba dos Dantas. Mneme Revista de Humanidades, 2014- 2015 v.6, n.13.
OLIVEIRA, Regiane. Record é condenada a pagar dois milhões de reais por pintar de branco arte rupestre em Diamantina. El País, São Paulo, 17, fevereiro e 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-16/record-e-condenada-a-pagar-dois-milhoes-de-reais-por-pintar-de-branco-arte-rupestre-em-diamantina.html. Acesso em: 15, setembro de 2020.
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SECRETARIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL E DA CULTURA/MUPA. Arqueóloga do Museu Paranaense registra descoberta histórica de pintura rupestre. 2014.
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