A Arte de Ifé e do Reino de Benin

LAV I - Miguel Miguele de Sá e Isabelle Silva


Oba de Benin visitando o Oni de Ifé. Fonte: ancient.eu


  O reino de Benin e de Ifé possuem uma ligação em suas histórias e consequentemente em suas culturas. Ambos eram localizados onde atualmente é a Nigéria e possuíam uma relação boa entre os dois reinos, e além disso eram pontos de mercadores. Para entender um pouco disso, precisamos entender um pouco a fundo a origem de cada um.

  O reino de Ifé era um dos reinos do Império de Oió, que foi um império da África Ocidental hoje localizado no sudoeste da Nigéria e sudeste de Benin, habitado pelo povo de Yorubás ou Iorubá, um dos maiores grupos étnicos da África Ocidental, com uma população de mais de 30 milhões de pessoas e também uma das maiores etnias trazidas ao Brasil onde deixaram sua marca cultural na capoeira e no candomblé, por exemplo. Sua origem não possui uma data certa, mas acredita-se que os yorubás já habitavam em Ifé no séc VI, considerando-se  essa a data mais antiga registrada em escavações realizadas na região. Ifé era considerada a cidade sagrada para os yorubás por ser reconhecida como a fonte mística de poder e legitimidade. Segundo Léo Rossetti Ifé era  “o lugar de onde partia a consagração espiritual (sendo o Oni, chefe de Ifé, o grande pontífice) e onde retornavam os restos mortais e as insígnias de todos os reis”.

  O reino de Benin foi mais recente que Ifé, surgindo através de descendentes de um rei deste reino mais antigo. A tradição conta que Ifé mandou um mestre artesão ao sul no final do século XIII a fim de propagar suas habilidades em esculpir, o que tem influência direta no movimento histórico do trabalho com ferro dos povos iorubás nos territórios dos edo  - povo de Benin descendentes de Ifé. A tradição edo afirmava que foram eles quem convidaram o Príncipe Oranmiyan de Ifé para governá-lo, e com isso seu filho, Eweka, se tornou o primeiro rei do Benin.  Os reis de Benin conquistaram mais de 200 vilas e aldeias da região, até seu declínio durante o séc XVIII EC, que foi marcado por guerras civis até a chegada dos britânicos.

Ilustração de Angus McBride mostrando um obá do Império do Benin. Fonte: Pinterest

  A chegada de Portugal em Benin foi recebida de braços abertos pelo Oba Evaré, acreditando que teria ajuda em relação às suas diversas guerras. O sucessor de Evaré, Esigi, foi ainda mais favorável aos portugueses, permitindo a instalação de igrejas cristãs e fazendo seu povo ser batizado. Mas apesar disso, Benin não se converteu a um estado cristão, aliás, o único traço cristão que permaneceu foi a crucificação de seus inimigos, que já era um castigo conhecido na cultura africana. O contato com os portugueses criou um comércio que ia além de especiarias, armas e marfim, mas também virou um lugar conhecido pelo comércio de escravos, por sua localização favorável ao comércio marinho.

Mapa mostrando a área que o reino de Benin abrangeu (Amarelo) e rotas comerciais e cidades importantes como Gwato. Fonte: História do Mundo.


A Arte de Iorubá: Ilê-Ifé e Benin

  Ife Art in Ancient Nigeria: The Wunmonije heads at the British Museum in 1948.

    As esculturas dos povos de Ifé e Benin são as que mais chamam a atenção entre todo o meio artístico do reino de Iorubá, tendo em vista a qualidade e a beleza de cada peça, além de como eram feitas. Como em sua maioria as obras eram feitas de metal, em um primeiro momento os Iorubás faziam um molde, para depois usar a técnica de fundição do metal. Eles tinham duas formas de se fazer isso: a primeira era derreter o metal e depois despejá-lo no molde; a outra era colocar pedaços do metal dentro do molde e depois colocá-lo em uma espécie de forno, para que o metal derretesse e preenchesse os espaçamentos. 
 Placa de bronze de Oba (rei) segurando leopardos usando um cinto de peixe-lama, Benin, Nigéria, século 16 d.C. Fonte: www.britishmuseum.org

Ilê-Ifé

     Ifé passou a chamar mais atenção após a descoberta de esculturas feitas a partir de pedras e metais, principalmente de bronze. As obras encontradas tinham rostos esculpidos e por isso passaram a ser conhecidas como “as cabeças de Ifé”. 

     As primeiras esculturas de Ifé foram encontradas em 1910 pelo antropólogo alemão Leo Frobenius. As esculturas encontradas chamaram a atenção por tamanha sofisticação, o que levou muita gente a duvidar que aquelas peças realmente haviam sido feitas por africanos, ainda mais obras que remetiam ao naturalismo sendo considerado como um dos pontos mais altos da arte na civilização. Subestimando este povo, Frobenius escreveu uma teoria em seu livro, Voz da África, em que dizia que poderia haver uma certa influência grega na arte de Ifé.

Cabeça de bronze de um Ooni (rei) de Ifé, Nigéria 1300 - 1400. Fonte: www.britishmuseum.org


Esta cabeça foi encontrada em 1939 por acidente enquanto acontecia uma escavação perto do palácio real em Ifé. Acredita-se que essa cabeça é a representação de um Ooni (rei), pela questão de estar utilizando uma coroa. Essas linhas verticais no rosto seria uma forma de representar o status de uma pessoa ou até mesmo a tribo que pertencia; os buracos são provavelmente a representação da barba: alguns pesquisadores propõem a teoria de que nesses buracos era colocado cabelo. 

  Figura sentada de Ilê-Ifé, Nigéria, século 14 d.C. Fonte: www.britishmuseum.org

  As esculturas de Ifé têm como predominância a representação de cabeças, pois seria o lugar do corpo importante para tal cultura, já que representava a personalidade, a autoridade, o ego e o destino de cada indivíduo. Além da cabeça, a barriga também tem um papel de importância para eles, pois representava saúde e abundância.


Benin 

     Benin tem como característica de sua arte as placas que representavam o poder do rei e sua civilização e que também decoravam o palácio real. 
     Em 1897, uma colônia britânica atacou a cidade de Benin; tal atentado - denominado “expedição punitiva” - foi um ato de vingança a uma emboscada que Benin havia feito a uma expedição britânica, além de ter motivação ligada às questões políticas coloniais da época. Durante o ataque aldeias foram queimadas, assim como o palácio real; o rei foi exilado e as placas que ornamentavam o palácio foram saqueadas e, ao voltarem à Europa, tais peças foram vendidas por lá. As obras roubadas de Benin surpreenderam muitas pessoas, o que chamou a atenção para a arte africana.

Interior do palácio do rei de Benin em 1897, após a invasão de saqueadores britânicos. Fonte:Quartz Africa

   Cada placa de Benin tinha uma história, com cenas de batalhas demonstrando o poder militar de Benin, incluindo caçadas, figuras da corte, festejos, entre outras. Eles também representavam animais: quando representados juntos de alguma figura de poder, os animais eram colocados com o intuito de ressaltar tal poder. 

  Os artistas de Benin tinham uma preocupação com as proporções, como demonstrado na figura abaixo: 

Três Jovens Pajens. Fonte Dissertação de mestrado de Edmilson Q. Reis 



Três Jovens Pajens, Benin, Nigéria, século 16 - 17. Fonte: www.britishmuseum.org



  Na figura dos Três Pajens, pode-se ver que as três figuras estão representadas do mesmo tamanho e ao mesmo tempo que os rostos trazem uma certa harmonia e serenidade. Eles também nos remetem à ferocidade de um reino militar, além de fazerem a representação de bens materiais, demonstrando a importância que davam a coisas terrenas.

  Podemos então perceber claramente a influência que ambas as cidades possuem entre elas e suas culturas, com seu manuseio do metal e da madeira para fazer esculturas que têm muito significado aos seus governantes, representando o seu poder. Mesmo na arte de Benin sendo mais comum a criação de placas de metais e em Ifé suas famosas cabeças de bronze, é possível perceber suas semelhanças. Pensando em semelhanças mais físicas, podemos comparar as obras vendo as coroas que muitos usam, uma coroa que possui várias linhas verticais e camadas; mas elas ainda possuem estilos únicos, como Ifé criando esculturas numa linha de raciocínio mais realista, enquanto que a arte de Benin, em suas placas, dá mais importância a proporções e ao alinhamento do que à semelhança com o real. Em conclusão, mesmo sendo reinos diferentes, por conta de suas histórias e relacionamentos, suas culturas vão se mesclar e ter influências sobre cada uma, mas ainda mantendo a sua essência principal.



Fontes: 
 
PITTA, Valter. 2009. Civilizações Africanas: O Reino de Benin.  Brasil: s.n., 03/03/2021 (civilizacoesafricanas.blogspot.com)
ROSETTI, Léo. 2015. Profissão História: O Reino de Ifé. Brasil: s.n., 03/03/2021 (profissaohistoria.blogspot.com)
CARTWRIGHT, Mark. 2019. O Reino do Benin - Enciclopédia da História Mundial. Itália: s.n., 28/02/2021 (ancient.eu)
2019. Império de Oió – Wikipédia, a enciclopédia livre. Brasil: s.n., 03/03/2021 (wikipedia.org)
OLIVEIRA, Humberto. Povo Iorubá - Quem são? Como surgiram? História e Formação. Brasil: s.n., 04/03/2021  (gestaoeducacional.com.br)
 2/2 Head of an Ife King from Nigeria - Masterpieces of the British Museum (https://www.youtube.com/watch?v=3mtvcl1EjgM)
1/2 Head of an Ife King from Nigeria - Masterpieces of the British Museum (https://www.youtube.com/watch?v=wa0st_aMjmA)
REIS, Edmilson Quirino dos. 2014. A Representação da Figura Humana na Arte Iorubá (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/93/93131/tde-27042015-154306/publico/2014_EdmilsonQuirinoDosReis_VOrig.pdf)
BLIER, Suzanne Preston. 2021. Art in ancient Ife, birth place of Yorubá. (https://scholar.harvard.edu/files/blier/files/blier.pdf)

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