A História de um Pigmento: o Azul Ultramarino

 Por Helena Laurentino da Silva e Sâmela Dara dos Santos.



Imagem: Ultramarine blue. Fonte: Google Imagens.

Vincent Van Gogh, numa carta destinada ao seu irmão, escreveu: “Passei uma noite à beira do mar na praia deserta. Não foi alegre, mas tampouco foi triste: foi belo. O céu de um azul profundo estava salpicado por nuvens de um azul ainda mais profundo que o azul fundamental de um cobalto intenso, e por outras de um azul mais claro, como a alvura azulada de vias lácteas. No fundo azul as estrelas cintilavam claras, esverdeadas, amarelas, brancas, rosas, mais claras, adiamantadas mais como pedras preciosas, que para nós – mesmo em Paris – seria o caso de dizer: opalas, esmeraldas, lápis-lazúli, rubis, safiras” (Cartas a Théo, p.125, 2010). 

Céu azul. Oceano e rios azuis. Flores azuis. Mas,  e azul do manto da Virgem Maria? Já se perguntou de onde surgiu o pigmento azul na história? Como era extraído? Já ouviu falar do azul ultramarino? A extração do pigmento azul ultramarino não foi fácil. Quando voltamos alguns séculos na história, entretanto, é considerado um dos mais importantes pigmentos. Os detalhes de sua descoberta, extração, usos e curiosidades, serão explorados ao longo deste texto.

O azul ultramarino é descrito pelo pintor italiano Cennini como “cor nobre e bela, a mais perfeita de todas as cores, da qual nada se pode dizer ou fazer que a sua qualidade não ultrapasse”. O pigmento tem sua origem na pedra semi-preciosa Lápis-Lazúli. Descoberta em uma região na qual atualmente se localiza o Afeganistão, sua localização também revela a origem do nome “ultramarino”, que se deve ao fato dela ser encontrada do outro lado do mar. Muitos amantes da arte e curiosos fizeram relatos sobre o pigmento tão precioso estar num local de acesso extremamente difícil, mesmo nos dias de hoje.


Imagem: Lápis-lazúli Pedra Natural. Fonte: Google Imagens


O pigmento azul ultramarino, além da dificuldade de se chegar ao seu território natural, apresenta também dificuldade na sua extração. Geralmente, os pigmentos naturais podem ser extraídos por meio da trituração de diversos minerais, porém a obtenção do pigmento do lápis-lazúli ocorre de forma diferente. A pedra semi-preciosa, lápis-lazúli, possui vários minerais, mas o azul ultramarino pode ser obtido apenas na extração do mineral lazurite, o qual contém a cor azul. Desse modo, o lazurite deve ser separado de outros materiais durante o processo, caso contrário, o resultado não será o tão estimado azul e sim variações acinzentadas e sem vida do pigmento. O processo da extração mostra tanta dificuldade que apenas no ano de 1200 ele foi descoberto, e é minuciosamente descrito pelo artista renascentista Cennini em uma de suas obras.

Devido aos aspectos que envolvem a origem e extração, incluindo a preparação do pigmento, seu preço elevado pode ser facilmente explicado, monetária e simbolicamente. Sendo assim, em razão de sua nobreza, ele era muito utilizado em pinturas importantes e exuberantes na Itália. Porém, era também recorrente a escassez do produto, empregado com mais moderação em outras regiões fora da Itália. Dessa forma, muito aproveitado em importantes pinturas, o azul ultramarino deu cor ao manto da Virgem Maria, quando atingiu o auge de seu uso entre os séculos de XIV a XVII. Décadas mais tarde, o surgimento de pigmentos sintéticos e mais baratos iriam destronar o tão exuberante azul ultramarino.


Imagem: Tiziano Vecellio (1485-1576). Madonna and Child with Saints, 1530. Óleo sobre tela. Fonte: National Gallery, London.


O lápis-lazúli contém diferentes funcionalidades, percorrendo distâncias e civilizações, não deixando de lado seu significado esplendoroso e interessante, independente do local e contexto ao qual ele está inserido. O nome adotado para o pigmento é advindo da expressão “azul além do oceano”. E, de fato, os caminhos que o azul ultramarino percorreu e ainda percorre vai além de mares e limites territoriais.

Rosângela Vig, em sua monografia, (2011, pg.3) cita o objeto como representante da água, vida, purificação e regeneração para os egípcios. Junto dos corpos, quando nas tumbas, eram dispostos amuletos, jóias e semelhantes feitos com a pedra.


Imagem: Colar (Miniature broad collar) do período ptolomaico (332-246 a.c.), Egito. Fonte: Google Arts and Culture.


As cores utilizadas para pintar as vestes da Virgem Maria nos séculos anteriores ao século XII, por exemplo, eram repletas de tonalidades opacas, sofrendo mudanças quando exigido o uso do azul ultramarino. O mais caro dos pigmentos importados, naquela época, foi ligado à pureza, humildade e santidade, sendo frequentemente utilizado em construções exuberantes de igrejas e vitrais.


Imagem: Chapel of Avignon by Matteo Giovanetti de Viterbo. Fonte: Nammu.


Há, inclusive, crenças que veem o lápis-lazúli como ajudante em problemas espirituais, além de ter utilidades terapêuticas. Por ser composto de vários minerais, cada um deles fornece energias diferentes para inúmeras situações. Colocam a pedra como indutora de sabedoria, navegando desde clareza mental até projeções astrais, que seria a saída da consciência do corpo humano. Segundo estas crenças, seria inegável a sua influência e poder de compartilhar-se em diferentes funcionalidades, tomando formas em narrativas variadas.

Atualmente, é possível encontrar o pigmento inserido em diversas formas de comercialização: jóias, cor para pintura de construções, tintas artísticas, etc. Ao navegar por sites da internet, as chances de se deparar com algum anúncio contendo a pedra lápis-lazúli ou o pigmento azul ultramarino são grandes, variando entre preços e formatos. Assim também, o pigmento está presente na cultura popular digital, podendo ser encontrado no jogo Minecraft como pedra preciosa que pode ser mineirada para construção de utensílios e ferramentas, e também no desenho animado do canal Cartoon Network, Steven Universe, onde o lápis-lazúli dá nome a uma das personagens, que leva consigo uma cor deslumbrante.


Imagem: Lapis Lazuli character Fonte: the dot and line website.


Os lugares em que é comum a extração do lápis-lazúli são o Afeganistão, os Andes chilenos, Angola, Rússia, Sibéria, Paquistão, Canadá, Myanmar, Índia e EUA. Quanto menos Calcita e Pirita - componentes que a constituem -, e mais lazurita aparentes, mais valor ela terá. Lazurita é o responsável por valorizar o objeto enquanto comercializado, assim como a aparência que ele adquire após os processos de lapidação e mercado no qual posteriormente será introduzido.

Por fim, a cor vibrante e atraente que atravessou gerações, culturas e contextos, mas que ainda temos inserida em nossa realidade, marca presença e não nos deixa esquecer do impacto e importância que permanece para a história da arte. 


Referências:

CARTAS a Théo: Vincent Van Gogh. Tradução: Pierre Ruprecht. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. 243 p. v. 21;

CORRÊA, Valdriana Prado. Azul na história da arte. Orientador: Daniela Pinheiro Machado Kern. 2017. 138 f. Trabalho de conclusão de graduação (Bacharelado em história da arte) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017;

CRUZ, António João. Os pigmentos naturais utilizados em pintura. Conference: Pigmentos & Corantes Naturais. Entre as artes e as ciências, 2007;

VIG, Rosângela Araújo Pires. A Arte Egípcia. 2014; Tema: Estudo da Arte do Egito Antigo.

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