por Larissa de Souza Fagundes Leonardi
Os períodos da arte grega
O que comumentemente conhecemos como arte grega, geralmente tem bastante relação com o que chamamos de período clássico, mas a arte grega percorreu um longo caminho até chegar à arte grega clássica, ou ainda o que conhecemos por clássico. Numa visão “simplista”, a arte grega pode ser dividida em 3 períodos. O 1º período, que compreende o século VII até o fim do VI a. C, é o periodo que antecede o clássico, chamado de estilo severo, mas também conhecido como estilo pré-classicista, austero ou classicismo primitivo. O que marca esta fase é a formação das cidades-estado gregas, e com elas surgem alguns grandes monumentos como templos (fig. 1) e as ordens arquitetônicas como dórica, jônica e coríntia. Logo em seguida teremos o período clássico; nesta fase ocorreram as guerras Greco-pérsicas e a Guerra do Poloponeso, e foi também nesta fase que vemos surgir a Pólis, e as grandes obras arquitetônicas como Parthenon (fig. 2). O último período chamado de Helenístico que vai até o séc. I com o fim da pólis grega e o domínio da Grécia pelo Império Romano.
fig. 2 Parthenon foto:Steve Swayne, wikipedia, 1978
A escultura arcaica
A escultura do período chamado severo pode ser considerada em seu início bastante geométrica, apesar de delicada e precisa. Algumas esculturas datadas do início desse período demonstram ainda grande comprometimento com relação à posição bem central e simétrica da representação do corpo humano. Dotada de bastante rigidez, nota-se na escultura Kouros de Milo (kouros aqui significando jovem nu) (fig.3) a intenção de personificar a representação da figura masculina. s cabelos são detalhados e pode-se notar uma intenção de representar a anatomia, ainda que simples.
fig. 3 Kouros de Milo Disponivel em : https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/eb/Kouros_from_Milos_NAMA_1558_102542.jpg
Foi na fase seguinte que na escultura os artistas começaram a se utilizar de um artifício chamado contraposto, que consistia numa leve inclinação no quadril das esculturas, formando um contrapeso, o que dava à peça uma leveza e um pouco de movimento. Podemos notar a grande evolução se compararmos o Kouros de Milo com a escultura Efebo de Crítio (fig. 4) (Crítio sendo o artista a quem a obra é atribuída); a anatomia nesta obra já é mais bem delimitada e nota-se que não há mais tanta rigidez.
Fig 4 Efebo de Crítio Disponivel em :https://pt.wikipedia.org/wiki/Efebo_de_Crítio#/media/Ficheiro:009MA_Kritios.jpg
Na obra de Policleto intitulada Doríforo (fig.5), podemos ver ainda mais a evolução de um plano rígido escultórico para um plano mais orgânico; apesar das proporções bem delimitadas já podemos sentir a obra com movimento, além de definições da anatomia bem mais claras e precisas; POLLIT (1972, p. 40) descreve da seguinte forma as proporções usadas nesta escultura:
Seja como for que as suas proporções aritméticas ou geométricas possam ter sido medidas, há uma harmonia visível nas forças contra balanceadas obtidas pelo arranjo das partes corporais em quiástico: um esquema a perna estendida, que sustenta o peso é balanceada pelo braço esquerdo, dobrado e que segura o peso (a lança); a perna livre mas flexionada é balanceada pelo braço livre mas estendido; o joelho direito e levantado se opõe ao quadril esquerdo, abaixado, e vice-versa; a cabeça é virada para a direita enquanto que o torso e os quadris são levemente torcidos para a esquerda. Há também um equilíbrio entre movimento e estabilidade: ele está dando um passo, mas está estaticamente equilibrado.
Fig 5 Doriforo de Policleto Disponivel em https://greciantiga.org/img.asp?num=0790
Policleto se destacou em meio aos outros artistas: além de usar métricas para representar o corpo humano, ele criou um tratado conhecido como cânone, no qual ele delimitou e ainda procurou justificar o sistema de proporção entre as partes, conhecido na época como symmetria, com isso ele desenvolveu técnicas para representar o corpo humano na escultura (fig.6)
Fig 6 - Gyorgy Doczi (1994) , The power of Limits- Proportional Harmonies in Nature, art and Architeture
Paralelamente ao uso do mármore, alguns escultores gregos deixaram de usá-lo por ser um material que oferece certa rigidez ao ser esculpido, e começaram a utilizar o bronze. A execução da obra em bronze concede maior liberdade ao artista, já que a mesma primeiro é esculpida em argila, criando uma primeira modelagem a partir da qual é feito um molde que recebe então o bronze fundido; dessa forma, o artista consegue dar mais detalhes e movimento à obra. É nesta fase que surgem obras como o Zeus de Artemísio (fig.7).
Fig. 7 - Zeus de Artemísio, 2,09m, 470 a.C.,. Museu Arqueológico de Atenas. Foto : Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)
Existe outra grande obra em bronze que se destaca neste período atribuída a Miron de Eleuteras, o Discóbulo (fig.8 ). Giulio Carlo Argan a descreve da seguinte forma:
Fig 8 Cópia do Discobulo de Townley em mármore do Museu Britânico Disponivel em https://pt.wikipedia.org/wiki/Discóbolo#/media/Ficheiro:SFEC_BritMus_Roman_021-2.jpg
A arquitetura
A evolução da arquitetura grega se deu muito pela necessidades da sua população, a vida urbana torna-se mais agitada e é necessário ter edifícios que atendam à comunidade. Surgem, assim, templos, teatros, escolas e ginásios; o curioso é que, conforme a população aumentava, não aumentavam os espaços e sim, pelas leis gregas, a população tinha que migrar e formar uma nova “cidade” chamada de colônia. A arquitetura tinha o intuito de ser extremamente funcional e agradável, usava de métricas e proporções. Quanto a isso, ARGAN ( p. 69 ) disserta: “A antiga arquitetura grega é sem dúvida o oposto da arquitetura gigantesca, maciça faustosamente enfeitada dos impérios asiáticos o que predomina é o proporcionado equilíbrio de verticais e horizontais, cheios de vazio”
Os templos são destaques na arquitetura principalmente porque foi através deles que se deram as ordens arquitetônicas que hoje conhecemos, e é importante lembrar que eles não tinham a função de reunir pessoas no seu interior para o culto ou adoração e sim tinham como objetivo proteger as esculturas de suas divindades. Havia atividades como procissões e festas, mas diferente do que conhecemos hoje por um templo religioso, ou ainda o que conheceríamos numa fase anterior a arte grega, em que os templos eram locais de sacrifícios e adoração; o templo grego é um monumento onde estão as divindades e um local para celebração.
Existiam 3 tipos de ordens arquitetônicas que regiam estes templos e boa parte da arquitetura grega, eram elas: dórica, jônica e coríntia. A a ordem dórica era a mais simples e maciça de todas; nesta ordem a coluna vai se estreitando, afunilando, e os capitéis eram simples, sem adornos, a arquitrave era lisa, e nas métopas ficavam os relevos (fig.9) que geralmente contavam uma narrativa.
Fig. 9 Representação da ordem dórica Disponivel em : http://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-na-antiguidade/arte-grega/#jp-carousel-998
O templo de Afaia em Egina (fig.10) do sec. VI a. C e o templo de Hera ou Poseidon (fig 11) em Pesto são exemplos de templos de ordem dórica.
Fig. 10 Templo de Afaia Disponivel em : https://pt.wikipedia.org/wiki/Templo_de_Afaia#/media/Ficheiro:Temple_of_Aphaia_in_February_2005_14.jpg
O templo grego (fig.12) era um templo aberto, sem paredes, somente colunas; no seu centro (naos) era onde a imagem da divindade ficava. Na frente da naos a pronaus, e este centro era cercado pelo opistótono, e este núcleo (naos, pronaos e opistótono ) era cercado por colunas .
A ordem jônica era mais ornamentada que a dórica. o fuste é afuselado e não se apoia diretamente sobre o estilóbata; o capitel é mais adornado, com duas volutas (fig. 13). Um exemplo de templo desta ordem é o templo de Erecteion (fig.14).
fig. 13- Representação da Ordem Jônica. Disponivel em https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-na-antiguidade/arte-grega/#jp-carousel-999
A ordem coríntia é mais rebuscada de todas: o capitel é bem adornado com folhagens que foram adicionadas às volutas da ordem jonica. (fig.15)
Um exemplo de templo de ordem coríntia é o Templo de Zeus (fig16) , datando de 476 a.c. Este templo sofreu bastante a ação do tempo e o que ainda podemos ver são algumas colunas, mas ele é um exemplo de como a arquitetura e escultura dessa época trabalharam em conjunto. Em seus frontões - a parte triangular entre o teto do templo e a cornija, ficava acima do templo -, existiram esculturas que contavam toda uma história mitológica que fazia referência às lutas contra os persas.
O grupo escultórico do templo de Zeus merece ser estudado, até porque apesar das esculturas estarem bastante danificadas é possível perceber a evolução das esculturas. No frontão do lado leste vemos a imagem de Zeus ao centro, inclusive a sua imagem tem o contraposto e ao lado dele Enomao e Pélops, prestes a iniciar a competição, enquanto Zeus assiste à disputa dos dois.
Enomao era rei da Elida e tinha uma filha chamada Hipodâmia. Durante vários anos ele impediu que os pretendentes se casassem com sua filha; ele somente daria a mão da filha àquele que ganhasse uma corrida de bigas, até que apareceu Pelops pedindo a mão de sua filha. Hipodâmia se apaixona por Pelops e os dois criam um plano para que Pelops ganhe uma disputa; subornando o auriga (pessoa que conduz o carro) chamado Mirtilo; e o mesmo substitui uma das cavilhas que prende o carro de Enomao por uma cavilha de cera. Enomao morre e Pelops consegue ficar com Epodamia. Pelops é uma figura importante dentro de toda a mitologia pois ele que dá origem ao nome de Peloponeso.
Esta história é narrada através deste conjunto escultórico (fig. 18 e fig 19). Vemos os cavalos, os personagens principais, e é possível ver em toda a narrativa a dramaticidade da história; alguns elementos se sobressaem pelo apelo dramático, como a figura de um possível vidente (fig 20) que viu toda a história antes do seu acontecimento e até mesmo por conta disso manifesta toda esta dramaticidade em sua feição.
No frontão do lado oeste há outra narrativa: o conjunto escultórico conta a história mitológica da centauromaquia (fig 22), em que os lápitas (que eram os gregos primitivos) lutam contra os centauros; Febo ao centro ergue o seu braço atribuindo a vitória aos lápitas. Importante lembrar que os centauros são uma representação metafórica dos persas, que são entendidos pelos gregos como primitivos e animalescos. Este frontão tem mais dinâmica do que o outro, há uma maior plasticidade e movimentação, pode-se sentir a batalha acontecendo (fig 23 e fig. 24).
Conclusão
A arte grega dita severa desenvolveu-se para a arte que hoje chamamos de clássica. O artista grego teve liberdade para evoluir ao mesmo passo em que a civilização grega se transformava, progrediram assim as técnicas, principalmente no que se refere à representação de corpos humanos. Segundo FULLERTON “A arte grega passou com uma rapidez inacreditável - não mais de cinquenta anos, durante a primeira metade do século V - das formas esquemáticas e geométricas da fase arcaica àquelas orgânicas da natureza, distanciando-se assim definitivamente da tradição oriental. Os artistas começaram a estudar a anatomia humana pesquisando sua estrutura e suas medidas. O corpo tornou-se objeto principal da reflexão estética e este é um primeiro legado da civilização grega que dura até hoje."
Referências bibliográficas
ARGAN, G. C História da arte italiana - da Antiguidade a Duccio - v.1. Trad. Wilma de Katinsky. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
FULLERTON, Mark D. Arte Grega. Trad. Cecília Prada. São Paulo: Odysseus, 2002.
GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro, LTC, 1999
POLLIT, Jerome Jordan. O mundo sob controle – o momento clássico, c. 450-430 a.C. Trad. Fabricio Vaz Nunes. In: _____. Art and experience in Classical Greece. Cambridge: Cambridge University Press, 1972.
PROENÇA, Graça . História da Arte. São Paulo . Editora Ática. 2011
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