Introdução
Em meio a tantas distrações no mundo moderno precisamos de um bom motivo para ler um texto até o final. Talvez pensar que o povo da Grécia Antiga revolucionou a história da arte pode atiçar sua curiosidade e deixar você se perguntando o que eles fizeram de diferente e quais das suas descobertas são utilizadas por artistas até os dias atuais.
A arte grega da Antiguidade abrange um grande período e pode ser dividida nos períodos arcaico, clássico e helenístico. A seguir veremos as características do período arcaico que ocorreu entre os séculos VII e V a.C.
Kouroi e Korai
Os gregos não começaram sua arte do zero. Eles se basearam na arte de outros povos, principalmente, nos seus primórdios, do Egito. A princípio a escultura, que era feita em madeira ou pedra, se caracterizava por formas rígidas e com o passar do tempo foi se tornando cada vez mais fluida. As imagens eram confeccionadas, por vezes, com menor estatura em materiais mais nobres como bronze, ouro e marfim. As primeiras estátuas eram feitas em pedra e representavam rapazes e moças. Os jovens geralmente eram representados nus e recebiam a denominação de Kouros. As imagens das moças apareciam vestidas e eram chamadas de Korés. As estátuas eram esculpidas a partir de um bloco, trabalhadas de fora para dentro. Apresentavam uma postura rígida, com os pés plantados no solo e os braços ao lado do corpo. Havia uma geometrização das formas naturais e o sorriso era padronizado. As representações podiam ser de deuses ou dos mortos. Na Figura 01 e 02 é possível observar essas características na imagem de quase 2 metros de altura presente em um túmulo de um jovem aristocrata ateniense, datada entre 590-580 a.C.
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Figura 02 Estátua de Mármore de um kouros. Disponível em https://artsandculture.google.com/asset/JQGQ4xb2_DgxQA?childAssetId=5gGQXj80Sodyew |
A figura humana era a forma preferida de representação, inclusive os deuses eram representados dessa forma, pois os gregos acreditavam que os deuses possuíam virtudes, valores e defeitos. Os gregos se preocupavam com a forma e utilizavam o recurso de representar dobras de tecidos e drapeados para marcar as divisões do corpo. A Figura 03
corresponde à imagem da Koré de
Antenor, datada de 530 a.C., e apresenta as
vestes drapeadas em cascata e em diversas direções, destacando-se o
jogo de luz e sombra dos sulcos e relevos.
Figura 03 Koré de Antenor. Disponível em: https://museum.classics.cam.ac.uk/collections/casts/antenor-kore
O cabelo se apresenta
em trancinhas estilizadas que caem pelos ombros. Nota-se os ombros
largos e é possível observar os pés abaixo do tecido. As
estátuas também eram feitas na forma de estelas, como a Figura 04
que ilustra a estela do guerreiro Arístion, colocada sobre o
seu túmulo. Possui 2 metros de altura e foi confeccionada em mármore
por Arístocles em trono de 530
a.C. e atualmente pertence à coleção do Museu Arqueológico
Nacional de Atena. O guerreiro está armado, segurando uma lança na
mão esquerda. Possui cabelo cacheado e barba e está usando
capacete, couraça e protetores para as canelas e joelhos denominados
grevas. Os contornos tendem para linha reta e nota-se sulcos mais
marcados e mais leves que marcam planos e dão volume à imagem. As
esculturas se caracterizavam pela grandeza e força, contrastando com
a simplicidade, clareza e harmonia presentes tanto
nos padrões geométricos observáveis nos vasos de cerâmica, quanto
no estilo arquitetônico.
Figura 04 Estela do Guerreiro Arístion. Disponível em: https://www.namuseum.gr/en/collection/archaiki-periodos/
Cerâmica
Uma das grandes revoluções da arte grega foi que aos poucos os artistas foram realizando pequenos exercícios de observação. Em vez de apenas reproduzir os esquemas de representação aprendidos, principalmente com a arte egípcia, foram realizando experimentos para tentar reproduzir as formas naturais como eram vistas. Essa revolução aconteceu tanto na escultura quanto na pintura. Com esse grande passo, foi possível uma segunda inovação: a perspectiva. Os gregos passaram então a representar as figuras de uma forma diferente, preocupados com o ângulo e com elementos que davam noção de profundidade.
A pintura era tão importante quanto a escultura e grandes quadros mitológicos ocupavam espaços nos edifícios públicos e em pinacotecas, porém a pintura ficou preservada em poucos vasos de cerâmica, que eram utilizados para armazenar vinho ou óleo.
A pintura em cerâmica era variada, circulava em todas as camadas sociais e tinha valores distintos. Estava presente em diversas ocasiões, como funerais, banquetes e casamentos. Os temas representados podiam conter assuntos mitológicos ou relacionados à vida cotidiana, como jogos e cenas de teatro. As pinturas eram feitas por artesãos; muitas vezes o tema era feito sob encomenda e em outras o tema era escolhido pelo próprio artista, que podia ser influenciado por tradições ou condicionada por convenções e modismos.
Uma das técnicas utilizadas era denominada figuras pretas. Eram realizadas com um verniz negro sobre o fundo vermelho e os detalhes eram obtidos utilizando uma ponta para retirar a tinta e deixar a argila descoberta. Posteriormente surgiu a técnica das figuras vermelhas, que consistia no processo inverso, sendo pintado o vaso com verniz negro, deixando apenas as figuras sem pintar, ficando, portanto, na cor vermelha da cerâmica. Os detalhes eram pintados com um pincel utilizando o verniz. O terceiro tipo era o vaso de fundo branco, mais refinado, no qual as figuras são traçadas com o pincel pelo artista.
Umas das representações mais conhecidas é a de Aquiles e Ajax. Existe cerca de cento e cinquenta pinturas deste tema, utilizando a técnica de figuras pretas e vermelhas. A cena apresenta os dois guerreiros sentados um à frente do outro em bancos cilíndricos jogando um jogo de tabuleiro que está sobre uma mesa. Os jogadores apresentam feições sérias e estão inclinados em direção do jogo, indicando concentração. A cena remete ao lazer, porém ambos seguram uma lança, podendo indicar um intervalo durante a batalha. Na Figura 05 também é possível observar a Deusa Atena ao fundo.
Figura 05 Representação de Aquiles e Ajax em figura negra. Disponível em: http://www.getty.edu/art/collection/objects/6890/attributed-to-the-medea-group-attic-black-figure-neck-amphora-greek-attic-about-510-bc/
Na
Figura 06 é representada a cena de uma caça ao javali utilizando a
técnica de figura negra com desenhos brancos com contorno em preto.
O javali aparece centralizado e está ferido por lanças. Cães
atacam o animal e uma ave o sobrevoa. Caçadores nus de cabelos
comprido estão posicionados na frente e atrás do javali e seguram
lanças.
Figura 06 Representação de caça ao javali em figura negra. Disponível em https://www.britishmuseum.org/collection/object/G_1772-0320-6-
Um
exemplo da técnica de figura vermelha é ilustrado na Figura 07. Na
cena, Ártemis atira uma flecha em Aktaion, O caçador
aparece semi nu caindo no chão e
sendo atacado por cães e a deusa segura um arco enquanto puxa a
flecha.
Figura 07 - Representação de Artemis e Aktaion em figura vermelha. Disponível em: https://collections.mfa.org/objects/153654
Um tema popular denominado “komos”, chamado de retorno do simpósio, é ilustrado na Figura 08. É ilustrada uma musicista tocando flauta cercada por três homens. Nas laterais aparecem dois jovens dançando e atrás da moça, um homem segurando uma bengala. É outro exemplo da técnica de figuras vermelhas.
Figura 08 - Representação de komos em figura vermelha. Disponível em: encurtador.com.br/bcjnC |
A imagem humana tem um lugar de destaque na arte grega se comparado com os temas natureza e paisagem. Porém em alguns casos o ambiente natural se torna extensão da figura principal, como pode ser visualizado na Figura 09 que consiste numa representação do deus Dionysos sentado em meio a uma grande videira. Dionysos é deus do vinho e as videiras que o cercam tem destaque na imagem por se tratar do seu dom. Na imagem também é possível observar doze sátiros que sobem pelos cipós.
Figura 09 Representação do deus Dionysos em figura negra. Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Anfora-atica-de-figuras-negras-ca-540-aC-Boston-Museum-of-Fine-Arts_fig1_305291416
A
arquitetura grega apresentava edifícios com funções religiosa,
civil, pública e privada. Os templos gregos inicialmente eram
construídos em madeira e posteriormente em pedra, geralmente em
mármore. Eram marcados pelo equilíbrio entre estruturas verticais e
horizontais e espaços cheios e vazios. Não eram tão grandiosos se
comparados aos templos egípcios ou asiáticos. Eram abertos e
consistiam em uma estrutura superior, denominada entablamento,
sustentada por colunas. O entablamento era composto por três partes:
arquitrave, friso e cornija. Os estilos podem ser Dórico,
Jônico ou Coríntio e a
caracterização dos estilos é dada pela presença ou ausência de
elementos e sua disposição (Figura 10).
Figura 10 Estilos Dórico, Jônico e Coríntio. Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/781796816539148100/
Figura 11 Cariátides ou Kórai. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5a/Porch_of_Maidens.jpg
O estilo Coríntio se diferencia pelo seu capitel em
forma de cesto, com folhas e decorações naturalistas. Na base
estava presente um paralelepípedo. Na arquitetura, os frontões
triangulares eram decorados com imagens e podiam conter cenas de
batalhas. Um exemplo é o frontão de Afaia em Egina,
datado de cerca de 490 a.C. que conta a história de duas fases da
luta de gregos e troianos. As reconstruções são ilustradas nas
Figuras 12 e 13. No centro do frontão, que é mais iluminado,
aparece Atena e nos dois lados aparecem guerreiros nus, em posição
de ataque, defesa ou caídos em combate. Aparecem portando elmos e
escudos e é evidente a preocupação com a anatomia, representando a
e musculatura e ossatura. Os guerreiros são dispostos de forma
inclinada, agachada ou deitados de acordo com o formato triangular do
espaço.
Figura 12 Reconstrução do frontão de Afaia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Model_temple_of_Aphaia_Glyptothek_Munich.jpg |
Figura 13 Reconstrução do frontão de Afaia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aphaia_pediment_5_central_Glyptothek_Munich.jpg
Considerações finais
A arte grega arcaica é muito rica e variada e é incrível pensar na qualidade dos trabalhos feitos há tanto tempo atrás. Imaginar que hoje quando fazemos um desenho de observação ou tentamos desenhar um pé em perspectiva, estamos de certa forma experimentando uma descoberta feita pelos gregos séculos atrás. Infelizmente grande parte das obras originais se perderam, porém, as réplicas dão uma ideia de como seriam originalmente. Construímos na nossa imaginação como eram os grandes quadros, dos quais existem apenas registros literários, e podemos ter uma ideia de como seriam a partir das pinturas em cerâmica e outras formas artísticas. Fica na imaginação também as esculturas e templos, que vemos como mármore branco atualmente, mas eram cheios de cores e de ricos ornamentos.
Referências
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